Análise do Filme: “Vazio de Domingo”
Assistindo recentemente ao melancólico filme “Vazio de domingo” (La Enfermedad del Domingo), fiquei tomada pelo conteúdo e pela forma: as paisagens, o jogo de luzes, de claro e escuro, mesclados com silêncios entremeados por falas curtas, mas bastante significativas, que engendravam dor, sarcasmo e, acima de tudo, questionamentos que buscavam trazer à tona alguma verdade.
A sinopse é que décadas após ter sido abandonada quando criança, Chiara encontra sua mãe biológica e a convida para uma viagem de 10 dias a um lugar isolado.
A mensagem que mais me marcou foi a que nomeei: “Ajuda-me a morrer”. Como psicóloga e psicanalista, e até como paciente, muitas vezes diante do sofrimento humano e da loucura que nos atravessa, sei que por vezes pendemos mais para a morte do que para a vida e que a ideia central do tratamento em saúde mental é justamente a busca por resiliência, pelo resgate da vida ou por alguma esperança como base para o aprofundamento em reflexões e para novos passos.
No entanto, a pergunta que me vem me tocando profundamente nos últimos tempos é: “Que ajuda podemos ofertar de fato?” E, depois de muito pesar, a minha resposta emergiu: “Apenas aquela que é demandada e que então poderá ser recebida por aquele que a solicita.”
Sendo assim, não há tanto a ser feito em relação àquele que se encontra pendendo para a morte – e morte aqui no sentido de ausência de esforço real para a vida – e que escolheu este caminho em detrimento da vida – que exige envolvimento, luta, e também vislumbra algo de positivo, de belo que justifique esforços e retomadas.
Diante desse cenário – em que a pessoa escolhe a morte – talvez a única maneira de participar nessa relação seria a de “ajudar o outro a morrer” e verificar se, nesse caminho, existe algum recuo (vontade de retomar a conexão com a vida).
No filme em questão, algumas cenas revelam essa posição.
Ao presenciar um pássaro moribundo, a personagem Chiara ajuda-o a morrer, matando-o com as mãos: ele já estava à beira da morte e ela não suportaria deixá-lo ali a esmo naquele sofrimento por tempo indeterminado (posteriormente revela à sua mãe Anabel que não gostaria que o mesmo acontecesse consigo mesma).
Numa outra cena, em que Chiara parecia tentar matar uma cachorra, acaba apenas sujando-a (e sujando-se) de lama. Parecia claro que aquele animal havia escolhido a vida, apesar de ter ficado doente recentemente. Chiara volta para a casa com a cachorra e anuncia à mãe que havia salvado a cachorra, recuperando-a daquela situação deplorável.
Tal cena mostrava um apelo da filha diante do abandono daquela mãe. Algo que poderia ser expresso nas seguintes palavras: “cuide de mim, salve-me, conecte-me de volta à vida”. Mas quando a mãe assim o fez, ela logo se irritou e interrompeu o gesto da mãe (de lavar seus cabelos).
A dor de Chiara era tão grande que lavar sua enorme ferida simbolizada nessa cena e salvá-la talvez lhe custasse a própria vida. Ao longo de sua trajetória, ela já foi se arrastando para a morte, envolvendo-se em atividades, relacionamentos e comportamentos destrutivos, quase como uma justificativa de que era melhor deixar apodrecer e morrer, já que a ferida que carregava estava alastrada há muitos anos.
No momento em que a mãe suplica por perdão e insiste em saber como poderia ajudar a filha, esta afirma que não há mais o que ser perdoado, mas cochicha algo em seu ouvido. Uma cena linda, em que os cabelos de ambas se mesclam, porque elas estavam de fato se conectando e entrelaçando suas histórias pela primeira vez após trinta anos, – um único pedido, que será revelado ao final do filme. Chiara deixa claro que não há mais mágoas nem nada a resolver entre elas, há apenas o desejo de que a mãe a ajude a morrer.
Anabel aceita o pedido da filha. Executa-a sem pesar. A cena de ambas nuas entrando no lago, a filha no colo da mãe, não revelou apenas um “despir-se” de toda uma história repleta de buracos e avessos, mas simbolizou um verdadeiro “lavar a alma” da lama que as envolvia. A partir daquela viagem, ela já havia se despido de toda uma imagem e identidade postiças que cobre também a cada um de nós, na sujeira da nossa lama mais íntima, a loucura, naquilo que a todo custo tentamos disfarçar e encobrir moralmente, mas que também nos constitui e nos faz humanos.
A partir daquele instante e daquela escolha, Anabel estava pronta para viver.
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Cristina Monteiro – Psicóloga (PUC-SP), psicopedagoga (Instituto Sedes Sapientiae), psicanalista e instrutora de Mindfulness Baseado em Terapia Cognitiva (Mindfulness Based-on Cognitive Therapy – protocolo MBCT), em formação, pelo Mente Aberta (UNIFESP) em parceria com o Oxford Mindfulness Centre. Cursando especialização em Teorias e Técnicas em Cuidados Integrativos na UNIFESP. Palestrante e proprietária da empresa “Ponto de Diálogo e Reflexões”. Realiza atendimento com psicoterapia (Psicanálise) e com grupos (Programas de Mindfulness/Atenção Plena).
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Nossssa! Amei saber disso. Obrigadaaaaa kkk